top of page
cobrinhas 2_edited_edited_edited.png
Vital Brazil 1904 - 02.png

Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865-1950)

 

 “(...) Anteontem uma notícia trágica esfaqueou meu coração. Um dos filhos do meu meeiro – ele tem dez! – de quatorze anos, rapazote sacudido e trabalhador, foi carpir o catingueiro roxo que sufocava uma das casas abandonadas na baixada. Ouviu o cascavelar dos malditos crotalos e sentiu a picada no pé descalço. Cascavel. Picada mortal! Felizmente, meu amigo e vizinho, Dr. Batalha, socorreu instantaneamente o menino. Deu-lhe a injeção específica: soro antiofídico para cascavel. (...) Uma perda de tempo é a morte. Agora a finalidade imediata desta crônica: abençoar, louvar e exaltar Vital Brazil! Onde há estátua que celebre a glória de tão grande brasileiro? Para o Brasil e para a América ainda dona de tanta mata e tanta floresta, de tanto bicho e de tanta serpente, a obra de Vital Brazil é tão importante quanto a de Fleming ou do Dr. Salk. O cientista patrício é digno de estar na gratidão da humanidade como os que descobriram a penicilina ou a vacina contra a poliomielite. Se levantássemos uma estatística das criaturas que Vital Brazil salvou da morte, teríamos ideia exata da sua benemerência. Milhares e milhares de camponeses teriam morrido daquela morte horrível que é o apodrecimento, em vida, do corpo envenenado. (...) Vital Brazil é o grande benemérito. Seu nome deve ficar gravado eternamente na alma da nossa gente. Butantan, sua mansão mágica onde apurou os processos científicos de cura da intoxicação pela picada de cobra, é seu monumento. Ao ver ressuscitar o garoto, tão vivo, tão trabalhador e tão simpático, lembrei-me do que devemos ao grande cientista. E pensei na estátua que um dia será o altar de um culto: o da gratidão de todos os brasileiros. ” Menotti Del Picchia (1892-1988)1

Vital Brazil Mineiro da Campanha nasceu em 28 de abril de 1865, em Campanha, MG, e faleceu em 8 de maio de 1950, aos 85 anos de idade, no Rio de Janeiro. É o primeiro filho de Mariana Carolina Pereira de Magalhães e José Manoel dos Santos Pereira Junior. Teve 6 irmãs e 1 irmão, todos(as) com nomes2 e sobrenomes peculiares, decorrentes da imaginação de seu pai que se inspirava nas circunstâncias e nos locais de nascimento para batizá-los(as). Até os 15 anos de idade morou em diferentes cidades do sul de Minas Gerias. Seu desejo pela medicina surgiu ainda na infância, provavelmente por volta dos 7 anos, quando ocorreu um surto de varíola em Caldas e ele serviu de elemento vacinífero para o celebre médico sueco que ali vivia desde 1841, Dr. André Regnell (1807-1884)3.

​

Vital Brazil se tornou um dos grandes nomes na História das Ciências da Saúde, foi um dos pioneiros da Medicina Experimental no Brasil e o precursor da Toxinologia nas Américas. No entanto, mesmo já aprovado, atravessou grandes dificuldades para conseguir trabalho que garantisse recurso suficiente para se mudar para o Rio de Janeiro, na época ainda Corte do Império do Brasil, e entrar para Faculdade de Medicina. Apesar de ter intencionado pesquisar sobre o ofidismo para o seu trabalho de conclusão de curso, foi desestimulado por diversas razões por seu orientador, sobretudo, a falta de laboratório e de segurança para lidar com as serpentes. Neste período, foi um dos dois estudantes escolhidos para trabalhar em um dos consultórios mais concorridos da Santa Casa de Misericórdia, com o Dr. José Pereira Rego (1816-1892)4, Barão do Lavradio, considerado o precursor dos sanitaristas brasileiros. Este médico foi a principal referência para a conduta e escolhas profissionais de Vital Brazil.

​

Logo após sua formatura, em janeiro de 1892, retornou para São Paulo, e sob a orientação primeira do Dr. Cesário Motta (1847-1897)5, se engajou na estruturação de um modelo de Saúde Pública pós Proclamação da República e abraçou as causas da saúde coletiva. A partir de então, esteve na frente de combate às diversas epidemias que castigavam o país, lutou contra a febre amarela, cólera e varíola. Foi nomeado Inspetor Sanitário e comandou comissões pelo interior. Em 1895, mudou-se para Botucatu, onde em determinado dia em meio a sua rotina médica foi chamado a socorrer uma jovem picada por serpente que não resistiu e faleceu. A partir de então abraçou definitivamente o combate ao ofidismo. Em 1897, voltou para São Paulo e retomou o combate às epidemias junto aos amigos sanitaristas, entre estes, Adolfo Lutz (1855-1940), Emilio Ribas (1862-1925), Victor Godinho (1862-1922), Artur Mendonça (?-1915), José Bonilha de Toledo (1871-1903). Entrou para o Instituto Bacteriológico e dois anos depois, em outubro de 1899, foi o primeiro a diagnosticar o surto da peste bubônica na zona portuária de Santos, SP. Contraiu a doença e ao retornar para São Paulo, ainda convalescente, alguns dias depois de curado, em 4 de novembro, inicia a inoculação de cavalos para a produção de soros, ao lado do então Hospital de Isolamento, hoje Instituto de Infectologia Emilio Ribas, antes mesmo da aquisição da fazenda Butantan.

​

Suas pesquisas sobre os envenenamentos por animais contribuíram para o estabelecimento de um novo conceito para as ciências biomédicas, a hoje denominada, especificidade antigênica, base da Imunologia. Soube contornar as precariedades inerentes a época e venceu os grandes desafios impostos, valorizou a multidisciplinaridade e a partir de dezembro de 1899, ao fundar o Instituto Soroterápico de São Paulo, hoje Instituto Butantan, ergueu escola de referência mundial, formou pesquisadores e gerou tecnologia inovadora com seus trabalhos inéditos na produção dos soros específicos para a terapêutica dos acidentes com animais peçonhentos.

​

“ (...) Vital Brazil, já no começo de suas atividades no Instituto Bacteriológico em 1897, inicia o preparo de soro antiveneno ofídico, imunizando cães e cabritos com veneno de cascavel (Crotalus durissus terrificus) e jararaca (Bothrops jararaca), verificando que o soro anticrotálico dava uma pequena proteção contra o veneno de jararaca, enquanto o antijararaca não protegia nada contra o veneno crotálico; demonstrou assim a especificidade dos soros antivenenos ofídicos, noção que não existia. Foi levado a essa verificação pela observação da diferença dos quadros clínicos nos pacientes picados e animais inoculados com as duas espécies de veneno. Confirmou ainda a especificidade dos soros antivenenos quando, em 1898, experimentou o soro preparado por Calmette, não obtendo proteção contra o veneno crotálico. Demonstração de seu espírito crítico e cauteloso é que aguarda até 1901 para repetir essa experiência com o soro de Calmette, desta vez recente, pois o primeiro a ser usado tinha 2 anos de preparação e, apesar de se saber da sua conservação, cabia a dúvida de perda de atividade do soro. (...) Esse trabalho de divulgação em todos os setores, e as maneiras práticas que nele emprega fazem com que Vital Brazil consiga criar um movimento que não tinha e ainda não tem paralelo em todo o mundo na campanha da luta contra os animais peçonhentos. O Instituto Butantan, ao lado de suas numerosas atividades de pesquisa científica, nos mais diversos campos da Medicina Experimental e na produção de produtos biológicos para a Saúde Pública, sempre manteve o que foi criado por Vital Brazil (...) Pela leitura de seus trabalhos verifica-se que opiniões, conceitos e afirmações que neles se encontram são sempre fruto de numerosas experiências de laboratório, muitas vezes apenas referidas, daí pensarem muitos que Vital Brazil só deve o seu prestígio às suas atividades como fundador do Instituto Butantan e descobridor da especificidade dos soros antivenenos. Pelo pequeno sumário de uma parte dos trabalhos de Vital Brazil pode-se fazer uma apreciação de seu valor científico e de sua atividade incansável pois em todos os assuntos sobre veneno e envenenamento por animais peçonhentos estudou e experimentou, criando um grande cabedal de conhecimentos que compreendeu, organizou e difundiu.” Gastão Rosenfeld (1912 - 1990)6

​

Nos primeiros anos do século XX, revolucionou o acesso a informação e ao tratamento dos pacientes de envenenamentos por animais peçonhentos ao criar uma rede de cooperação com comunidades rurais a fim de promover a soroterapia antiveneno que, até os dias de hoje, salva milhares de vidas. Foi, também, pioneiro na divulgação científica e na prática da ciência cidadã. Implantou postos antiofídicos em cidades das diferentes regiões do país, sobretudo, do interior. Lançou e dirigiu periódicos referenciais para o conhecimento médico de sua época, publicou dezenas de artigos, em diferentes línguas e em importantes revistas de outros países.

​

Em 1917, recebeu a patente do soro antiofídico e, imediatamente, doou para benefício da população brasileira.

​

Destaca-se, ainda, dentre seus relevantes legados, a fundação de outra instituição científica no país, o Instituto Vital Brazil, em 03 de junho de 1919, em Niterói, por meio de parceria com o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em poucos anos, esta instituição se tornou, também, um marco de excelência do fazer científico. Vital Brazil e seus colaboradores ampliaram e fortaleceram os vínculos de cooperação que mantinham há anos com diferentes setores da sociedade. O diálogo se dava tanto com anônimos trabalhadores rurais e fazendeiros do interior do país, quanto com eminentes cientistas dos mais respeitáveis centros de pesquisa existentes no mundo. Foi no Instituto Vital Brazil que a vacina BCG foi introduzida e produzida pela primeira vez no país. Nas décadas iniciais, para além da fabricação de soros e vacinas, da prestação de relevantes serviços na área da saúde, formaram pesquisadores e desenvolveram trabalhos e estudos determinantes para o avanço dos conhecimentos médicos, farmacêuticos, biológicos, veterinários e sociais.

​

“ (...)rememorando nesta reunião de cientistas os serviços prestados por aquele que, como poucos, bem merece esse nome. Reconhecendo, embora, a ausência de dotes pessoais para corresponder convenientemente à confiança dos amigos do nosso homenageado, não pude recusar a incumbência, porque há honras que não se rejeitam e os méritos do Dr. Vital Brazil já estão consagrados, não precisam da nossa amizade, benevolência, e pairam acima de quaisquer favores. (...)” Emílio Ribas (1862-1925)7

​

Vital Brazil se casou duas vezes, teve 22 filhos, 18 chegaram a idade adulta. Foram 9 filhos(as) do primeiro casamento e 9 filhos(as) do segundo. A primeira união ocorreu em outubro de 1892, em São Paulo, com Maria da Conceição Philipina de Magalhães – Nhazinha (1877-1913), que faleceu muito jovem, aos 35 anos de idade, e a segunda em setembro de 1920, em Niterói, RJ, com Dinah Carneiro Vianna (1895-1975), primeira brasileira a presidir uma instituição científica no país.

​

Ao final de um programa da Rádio Nacional dedicado a contar a sua trajetória, homenagem recebida alguns poucos meses antes de falecer, Vital Brazil se pronuncia assim:

​

“Não tenho orgulho de minha pobre ciência, mas estou satisfeito com minha alma e o meu coração. Para uma alma bem formada, não há como fazer bem aos outros e o bem que consegui fazer é que conforta e tranquiliza meu velho coração. Obrigado, amigos.”

 

​

​

1 – Cobra - Menotti del Picchia – crônica publicada no Correio Paulistano, em junho de 1955. Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988), ocupou a cadeira 28 da ABL - Academia Brasileira de Letras. Poeta, contista, romancista, cronista, ensaísta, jornalista, advogado e político. Estreou na literatura em 1913, foi redator-chefe e diretor de vários jornais, autor de poemas que se tornaram clássicos da literatura brasileira como Juca Mulato. Participou da Semana de Arte Moderna, sendo o responsável pela apresentação dos pressupostos estéticos do movimento modernista. Dirigiu o Serviço de Publicidade e Propaganda do Estado de São Paulo e foi deputado estadual e federal por alguns mandatos.

​

2 – Nomes das irmãs e irmão de Vital Brazil: Maria Gabriela do Vale do Sapucahy (Mariquinhas); Iracema Ema do Vale do Sapucahy; Judith Parasita de Caldas (Sinhá); Acácia Sensitiva Indígena de Caldas (Vidinha); Oscar Americano de Caldas; Fileta Camponeza de Caldas (Benzica); Eunice Peregrina de Caldas.

​

3 – Anders Fredrik Regnell (1807-1884), renomado médico e botânico sueco que viveu 43 anos no Brasil, em Caldas, MG, onde pesquisou, catalogou e classificou mais de 2.000 espécimes de plantas da região, sendo autor de um dos maiores e mais expressivos estudos botânicos do país. Escreveu, também, sobre a fauna brasileira e elaborou extensas observações geológicas e meteorológicas.

​

4 – José Pereira Rego – Barão do Lavradio (1816-1892), médico, da Ordem Imperial da Rosa, da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Ordem de Francisco José da Áustria. Membro Titular e aclamado Presidente Perpétuo da Academia Imperial de Medicina. Membro Correspondente da Real Academia Médica de Ciências de Lisboa, da Société Française de Hygiène e da Reale Accademia di Medicina di Torino. Foi, também, Inspetor de Saúde do Porto do Rio de Janeiro e Inspetor Geral do Instituto Vacínico; Médico Honorário da Imperial Câmara e Presidente da Junta Central de Higiene Pública. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Membro do Conselho Fiscal do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, Presidente e Sócio Benemérito da Sociedade Amante da Instrução e um dos Fundadores do Instituto Homeopático do Brasil. Desenvolveu e executou trabalhos determinantes no atendimento às vítimas das epidemias de cólera-morbo e no planejamento e coordenação das medidas sanitárias contra as graves epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro.

​

5 – Cesário Nazianzeno de Azevedo Motta Magalhães Júnior (1847-1897), médico, sanitarista, escritor e político. Entre seus amigos próximos estavam José do Patrocínio, Vital Brazil e Caetano de Campos. Defendia a ideia de que a clínica médica deveria ser o verdadeiro sacerdócio. Foi deputado republicano na Convenção de Itu, na Assembleia Constituinte, em 1891, e teve presença de destaque no parlamento. Em 1889, mudou-se para São Paulo, onde foi Secretário dos Negócios do Interior, responsável pela implantação de reformas e modelos nas áreas da Educação e da Saúde. Fundou a Escola de Farmácia, a Escola Modelo da Luz, o Ginásio do Estado, o Ginásio de Campinas, a Escola Normal de Itapetininga e criou a Biblioteca Pública na capital paulista. Regularizou o serviço de inspetoria sanitária e de vacinação. Atuou de modo incansável na luta contra as epidemias de cólera, febre amarela e varíola. Foi um dos idealizadores e sócio-fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sendo aclamado por unanimidade seu primeiro presidente. Precursor da ideia de instalação da Escola de Medicina e do Instituto de Soroterapia em São Paulo. Foi, também, eleito para Academia Paulista de Letras.

​

6 - Gastão Rosenfeld (1912 - 1990) Mem. Inst. Butantan, 34:X-XVI, 1969. Gastão Rosenfeld, médico e bioquímico, publicou 185 trabalhos, foi um dos descobridores da bradicinina, co-fundador da SBPC – Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência, pesquisador do Instituto Butantan e diretor do Hospital Vital Brazil.

​

7 – Emilio Marcondes Ribas (1862-1925), médico sanitarista. Em 1898, foi nomeado diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo e ocupou o cargo durante 19 anos. Atuou intensamente para erradicar epidemias, montou comissões e distribuiu vacinas a todo estado de São Paulo. Junto a Adolfo Lutz promoveu experiências determinantes a fim de comprovar a transmissibilidade da febre amarela pelo mosquito. Colaborou para a criação do Sanatório de Campos do Jordão, para o tratamento da Tuberculose e é autor de importantes trabalhos sobre a febre amarela, a febre tifoide e a lepra.

cobrinhas 2_edited_edited.png
bottom of page